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A Comissão Camponesa da Verdade (CCV) é uma organização da sociedade civil criada em 2012 por movimentos sociais do campo e acadêmicos reunidos em Brasília para o Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas. Seu objetivo é desvelar os casos de violações de direitos humanos no campo, geralmente invisibilizados e esquecidos, e contribuir para a luta por memória e reparação para as pessoas afetadas e pela responsabilização dos perpetradores das violações. Na prática, a CCV tem atuado de modo a incidir nos espaços institucionais, com vistas à inclusão dos povos do campo dentre as populações-alvo da e para a aplicação de políticas públicas de memória, de justiça e de reparação.

Entre 2012 e 2014, a CCV produziu um extenso relatório, elencando episódios de graves violações de direitos humanos praticados por agentes públicos e/ou privados, em todas as regiões brasileiras. Também tem publicado materiais pedagógicos sobre o tema e organizado eventos com os movimentos sociais do campo no sentido de combater o esquecimento das violências sofridas pelas populações do campo em função de suas lutas por terra, território e direitos.

No momento, a CCV tem dialogado com um amplo leque de movimentos sociais e sindicais do campo brasileiro, tendo três objetivos principais:

1. Contribuir na construção de ações de fortalecimento de uma cultura de memória, de direitos, de cidadania e de não repetição de violências dentro dos próprios movimentos sociais e sindicais do campo brasileiro, seus dirigentes regionais, estaduais e nacionais.

2. Executar ações de reconhecimento e localização de populações rurais vítimas de violações sistemáticas por parte do poder público e/ou privado. Os acúmulos produzidos pela CCV, em diálogo com os movimentos sociais e sindicais do campo, já renderam dezenas de diálogos com populações vitimadas por todo o Brasil. Feito este contato, a CCV tem atuado no sentido de recuperar as memórias comunitárias, por meio de oitivas (ouvir as pessoas) e entrevistas, dos episódios de violação sistemática de direitos. A pretensão neste ponto é dar um passo no sentido de mobilizar as comunidades, onde os acúmulos organizativos e de interlocução, e atuação de membros da CCV são maiores, produzindo ações de organização comunitária para o reconhecimento e reparação das violências a elas infligidas.

3. Organizar as comunidades também para incidir institucionalmente, implementando políticas públicas e ações de memória, de justiça e de reparação.

Histórico

A Comissão Camponesa da Verdade (CNV) surgiu a partir das discussões sobre a importância de mapear e pesquisar violências contra camponeses na ditadura empresarial-militar. A ideia surgiu a partir do Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas, realizado em agosto de 2012. Naquele momento, a CNV já estava iniciando seus trabalhos. Militantes e pesquisadores decidiram se aproximar da Comissão e trabalhar em articulação com ela, em especial com o grupo que investigava violação de direitos de camponeses e indígenas, sob responsabilidade da psicanalista e jornalista Maria Rita Kehl.

Foi adotado o nome de Comissão Camponesa da Verdade, que, mesmo após o encerramento das atividades da CNV, manteve-se ativo. Ao longo de 2013 e 2014, foram feitas algumas reuniões em Brasília, financiadas pela CNV, reunindo em torno de 30 pessoas. Sem recursos para pesquisa de campo, a equipe realizou um amplo levantamento bibliográfico (envolvendo livros, artigos, teses, dissertações, matérias jornalísticas, trabalhos não publicados, mas apresentados em seminários e congressos). De posse desse material foram selecionados casos em diferentes regiões e estados do país e produzidos pequenos textos sintetizando-os. O resultado desse esforço foi entregue como relatório à CNV e logo depois transformado em livro, com 639 páginas, publicado pelo Senado Federal em 2016 e disponibilizado em versão impressa e em PDF, o que permite sua ampla divulgação.

Paralelamente, membros da CCV estiveram presentes em trabalhos de apoio a algumas comissões estaduais da verdade, como é o caso da CEV-Rio e CEV-SP. No caso da CEV-Rio, foi feita uma pesquisa que resultou no livro intitulado Ditadura, conflito e repressão no campo no estado do Rio de Janeiro – 1946-1988, publicado em 2018 pela editora Consequência. Este investimento se desdobrou em atividades de extensão com professores do ensino médio e das últimas séries do ensino fundamental, de forma a habilitá-los a tratar do tema nas escolas locais, a partir das particularidades dos municípios. Essas atividades foram desenvolvidas em dois municípios do estado (Cachoeiras de Macacu e Campos dos Goytacazes), marcados por conflitos fundiários e trabalhistas, respectivamente. Mais recentemente, a experiência se repetiu com estudantes da licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ, grande parte deles provenientes da Baixada Fluminense. Para subsidiar o trabalho foi elaborado material didático para os professores e para os estudantes.

Na sequência, entre 2017 e 2019, o trabalho se desdobrou em um projeto aprovado pela Capes sobre as Ligas Camponesas e o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Rio Grande do Sul (Master) que também produziu material didático, em formato de livro, desta vez voltado para estudantes do ensino médio e militantes dos movimentos sociais.

Em 2021, a equipe da CCV apresentou e teve aprovado um projeto junto ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, num edital financiado com recursos do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que a Volkswagen assinou com o Ministério Público, reconhecendo sua responsabilidade nas violações de direitos humanos durante a ditadura e comprometendo-se a destinar recursos para as pessoas afetadas e para a investigação sobre a responsabilidade de outras empresas em violações durante a ditadura. Para seu projeto, a CCV propôs investigar o caso da Josapar, empresa agroindustrial sediada no Rio Grande do Sul, envolvida em conflitos fundiários no Pará, num caso que ficou conhecido como a “guerrilha do Quintino”. Este trabalho encontra-se na fase de produção de relatório final, a ser entregue ainda no mês de junho de 2023, e já gerou resultados concretos como a abertura de um inquérito pelo Ministério Público Federal para a apurar as responsabilidades da empresa. Este trabalho também fortalece a possibilidade de reparação para as vítimas, seja por parte da empresa via TAC ou processo judicial, seja por parte do Estado via Comissão de Anistia. A partir da experiência com o caso Josapar, é interesse da CCV continuar esse trabalho no sentido de judicializar outros casos e acionar políticas e ações de memória, justiça, reparação e não-repetição.